3/10/2020

Dr. Rosinha: Sexo faz bem a coração, circulação, neurônios, sistema imunológico e saúde mental

A palavra abstinência surgiu, não com o contexto sexual, na minha vida quando criança.
Minha família frequentava a igreja e nos era pregado que em todas sextas-feiras da quaresma não se podia comer carne. E, na sexta-feira santa, a  pessoa tinha que jejuar ou mesmo abster-se de comer.
Esta era a abstinência que conhecia.
Para uma criança,  incompreensível.
Para meu pai e minha mãe não sei qual era o tamanho do sacrifício.
Primeiro, pela nossa própria condição econômica; não se tinha  carne com facilidade.
Segundo, eles trabalhavam na roça, no cabo da enxada, um trabalho penoso, que gasta muita energia.
E, aí, como trabalhar no pesado e deixar de comer?
A abstinência sexual, agora solicitada pela ministra Damares Alves, só entrou na minha vida muitos anos depois, não por vontade própria, e por alguns curtos períodos.
Mas, não é o caso aqui, deixemos pra lá.
Antes de pedir a abstinência sexual, a ministra disse outras coisas que para alguns são barbaridades e até mesmo idiotices.
Por exemplo, a história de Jesus subir na goiabeira para livrá-la de maus pensamentos, ou seja, do pecado.
Há quem acreditou na história, tanto que ela continua prestigiada ministra do Jair M. Bolsonaro.
Muito antes da goiaba,  existiu a maçã que tentou Eva.
No caso da maçã, não sei se estava ao alcance das mãos ou se alguém teve que trepar (opa!) na macieira.
Importante: Houaiss nos informa que a macieira é “nativa da Europa e da Ásia”. Isso me leva a pensar que o paraíso era numa dessas regiões.
Adão e Eva viviam no paraíso. Depois de comerem a maçã, digo, pecarem, Deus os expulsou.
Ocorre que, para alguns, o paraíso está em comer maçãs, mas a ministra Damares prefere as goiabas.
Há muitos estudos sérios e rigorosos sobre sexo e sexualidade (não passam por Adão e Eva!), entre os quais aqueles que buscam responder
Entre eles, os que buscam responder a seguinte pergunta:  se a atividade sexual é benéfica à saúde?
Estudos científicos mostram que sim.
A atividade sexual é benéfica para os sistemas cardiovascular, neurológico e imunológico. Também melhora o humor, a saúde mental.
Modesto Rey, ginecologista e sexólogo do Hospital Universitário de Burgos, na Espanha, concorda que há beneficio à saúde e observa: “O problema de fundo é como se evidencia o conflito de quem quer ter relações sexuais, mas não as tem”.
A resposta a esta observação está no mesmo artigo.
A ausência de relação sexual por repressão e/ou autorrepressão aumenta o estado de depressão e ansiedade, que refletirá em outros processos fisiológicos e orgânicos.
Também há estudos, ainda não conclusivos, que indicam que “atividade sexual limitada poderia se traduzir em menor inteligência, devido ao papel do sexo como incentivo à neurogênese [a criação de novos neurônios]…”
Só que Bolsonaro e Damares oferecem a abstinência sexual como política pública de prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis. Isso é medieval!
Dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde demonstram que a política pública correta é a educação sexual e o combate à violência contra a mulher.
Como fruto da educação sexual — que o atual governo é contra — houve, entre 2004 e 2015, queda de 17% da gravidez na adolescência no Brasil.
Pesquisa da plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas), do Instituto Igarapé, mostra que mais de 1,2 milhão de mulheres sofreram violência no Brasil, entre 2010 e 2017 e que o agressor, em 90% dos casos é pessoa próxima da vítima.
Parte destas vítimas são meninas adolescentes que engravidarão.
Enquanto Damares prega a abstinência, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, manda um “foda-se” aos parlamentares que ele entende que estão chantageando o governo.
Este “foda-se” aos parlamentares é um foda-se à democracia.
Mesmo que não expressado em todas as palavras,  significa um desejo de governar sem o parlamento, ou seja, implantar uma ditadura.
Durante o carnaval alguns e algumas comerão maçãs, outros e outras goiabas.
Após o carnaval, a quaresma.
Como na minha infância, muitos, na marra, vão se abster de comer carne, não só às sextas- feiras, mas, pela carestia, durante a quaresma toda.
*Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.

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