Chega ao conhecimento desta Comissão dos Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná que o Tenente Mário Espedito Ostrovski, citado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade pela “participação em casos de detenção ilegal e tortura” (Vol. I, p. 914), processou o jornalista Aluízio Palmar por supostos danos morais decorrentes de notícia de crimes de lesa humanidade.
Em 2012, o jornalista e ex-preso político denunciou à Comissão da Verdade crimes de tortura praticados por Mário Espedito Ostrovski em1969 no 1 º Batalhão de Fronteiras de Foz do Iguaçu. No relatório final da Comissão Nacional da Verdade, as denúncias contra Ostrovski são reafirmadas por diversas vítimas.
Denúncias contra o Tenente também foram relatadas pelo projeto “Brasil nunca mais”, publicado em livro no ano de 1985. A memória, a verdade, a justiça e a reparação são direitos da Justiça de Transição, os quais visam o reconhecimento às vítimas e a toda a sociedade de violações de direitos humanos praticadas pelo Estado e setores institucionais e/ou civis.Trata-se de garantia de esclarecimento e conhecimento sobre práticas abusivas e criminosas que ferem a dignidade humana, as quais expressam um passado ao qual não se quer regressar.
Diante disso, necessário reafirmar que a publicidade sobre práticas de tortura e de todos os crimes deles a humanidade não consiste em ilícito, mas sim em evidente garantia de direitos humanos, conforme determinado pela Constituição da República e pelos tratados internacionais de direitos humanos.
Por estas razões, repudiamos atos que visem silenciar as denúncias de violações de direitos humanos e expressamos total solidariedade e apoio a Aluízio Palmar, crédulos de que o Poder Judiciário fará valer os direitos de transição.
Curitiba, 18 de dezembro de 2019.
Deputado Tadeu Veneri
Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa
Cinquenta anos de luta e mais de um século de resistência estão presentes na voz embargada de quem hoje comemora a vitória conquistada pela famílias do Quilombo Invernada Paiol de Telha. “Emocionadíssima”, é como define o sentimento Danielly da Rocha Santos, vice-presidente da Associação Quilombola da comunidade. Isso porque as famílias do quilombo localizado na cidade de Reserva do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná, receberam nesta terça-feira (30) a notícia de que o Paiol de Telha é oficialmente o primeiro território quilombola a ser titulado no estado.
O título expedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), após determinação judicial, transfere para a Associação Quilombola Pró-Reintegração Invernada Paiol de Tellha-Fundão o título de reconhecimento de domínio coletivo de duas áreas que somam 225 hectares de terra - uma pequena parte dos 2.959 hectares que a comunidade tem direito.
Na memória de Danielly, ainda estão as lembranças da época em que a famílias estiveram acampadas nas margens da PR 459, em frente ao território que hoje é reconhecido como de direito de 300 famílias quilombolas. Expulsos da terra conquistada há mais de 150 anos, o grupo esteve instalado na beira da estrada, por ausência de opções e como meio de pressão ao governo, por quase duas décadas. “Agora está passando um filme na minha cabeça: lembro de quando a gente ficou no asfalto, debaixo de sol, com muita dificuldade”, conta. “É uma coisa que parecia tão distante, de tanta luta de muitas pessoas que não vão estar presentes porque vieram a falecer antes disso. Chega a arrepiar”, relembra emocionada.
Com o título do território quilombola em mãos, as famílias do quilombo poderão avançar na conquista de serviços básicos de infraestrutura, como fornecimento de água e energia elétrica. Mas elas lembram: para que todas as 300 famílias possam viver e plantar na terra, é preciso garantir a titulação de todo o território. “Ainda há ainda um longo passo, mas isso comprova que não podemos perder a esperança, só está começando a nossa luta”, garante Danielly. Não deixe de ver: Oportunidade de emprego para assessor(a) de comunicação.
Determinação da Justiça
Primeira titulação de um quilombo no governo de Jair Bolsonaro - que já chegou a declarar que não haveria um palmo de terra para quilombola em seu mandato -, a emissão do título do território quilombola se deu após determinação judicial. No fim de março, uma liminar da juíza Silvia Regina Salau Brollo, da 11ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, estabeleceu a data de 2 de maio como prazo máximo para a titulação das duas áreas .
Na decisão, a magistrada considerou que a titulação do quilombo era uma questão de “respeito aos direitos constitucionais”, e estabeleceu multa diária de R$ 600 mil ao Incra em caso de descumprimento. Além disso, a liminar também determinou o prazo de 180 dias para que a União destine R$ 23 milhões para aquisição de outros 1.200 hectares do território tradicional que já possuem decreto de desapropriação assinado.
O advogado popular da Terra de Direitos que atuou na ação, Fernando Prioste, comemora a emissão do título em um contexto difícil, mas destaca que o caminho judicial não pode ser a regra para titulação de territórios quilombolas. “Para além de cumprir determinações judiciais, o Incra e o Governo Federal deveriam cumprir a Constituição Federal e dar andamento célere às titulações. Mas isso só vai ocorrer com pressão e muita luta das comunidades”, aponta.
Quilombola do Paiol de Telha, Isabela Cruz também recebe com alegria a notícia, mas lamenta a morosidade para titulação do território - mesma situação enfrentada por outros quilombos. “Infelizmente a gente vê que é preciso que haja ameaça de multa ou pressão judicial para que o processo andasse”, avalia. “Se por um lado a gente fica feliz pela nossa comunidade que levou tanto tempo para ter esse direito reconhecido, a gente fica apreensiva pelas outras”. No Paraná, existem outras 37 comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares - nenhuma delas com processo de titulação avançado.
Para Isabela, o lugar das comunidades quilombolas no orçamento público e a não execução de políticas públicas dirigidas revelam como o Estado brasileiro não atua em defesa da população negra. “Pelo contrário”, destaca. “A gente sempre vê o Estado como maior violador desses povos. E vemos a proposta do Ministro da Justiça [o pacote anti-crime] que quer exterminar ainda mais a juventude negra”. Apresentado, em fevereiro, pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o projeto prevê o que foi nomeado como “licença para matar”, ao fortalecer a tese de legítima defesa em crimes cometidos por policiais.
“Se eles estão lutando para acabar com os direitos dos povos quilombolas e tradicionais, nós estamos lutando para garantir e conquistar nossos direitos”, reafirma Isabela.
Um caminho longo
Primeira comunidade quilombola do Paraná a ser reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, no ano de 2005, o Paiol de Telha é local de muita luta e resistência. As terras que formam o território tradicional foram deixadas de herança pela escravocrata Balbina Siqueira a 11 trabalhadores e trabalhadoras escravizados, em 1866. Após um intenso processo de expropriação da terra que lhes era de direito, os quilombolas descendentes dos herdeiros foram expulsos do território na década de 1970. Durante anos, as famílias viveram conflitos intensos com a Cooperativa Agrária, que tinha a propriedade das terras.
Após diferentes processos de reocupação e despejo violento das áreas que fizeram com que alguns quilombolas vivessem durante quase 20 anos acampadas às margens da PR 459, as famílias conquistaram em 2015, a posse provisória de quase 200 hectares. Sem o título das terras, os quilombolas viviam em condições precárias e com a insegurança de um novo despejo.
No mesmo ano a então presidenta Dilma Rousseff também assinou o decreto de desapropriação que permite a desintrusão de 1.460 hectares dos 2.959 hectares reconhecidos pelo Incra. Em 2016, a União repassou ao Incra o valor de R$ 9,2 milhões de reais para a aquisição de dois dos sete imóveis previstos no decreto presidencial. Após falta de acordo com a Cooperativa Agrária, a aquisição das áreas foi oficializada em janeiro deste ano.
A necessidade de terra para sobrevivência dos quilombolas fez com que em 2017 cerca de 70 famílias ocupassem uma terceira área do território. De extensão de 99 hectares, a porção de terra, de acordo com a comunidade, tem sido fundamental para garantir condições mínimas de reprodução da vida. Atualmente, neste trecho de terra as famílias plantam alimentos para consumo e venda e criam animais. O grupo sofre de permanentes ameaças de despejo. No momento, tramita no Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) uma nova ação movida pela Cooperativa Agrária para reintegração de posse, sem data para apreciação.
Mas os quilombolas prometem resistir, como indica Isabela: “Se o povo achou que ia amedrontar a gente, cada pequena vitória será comemorada como grande batalha. E daqui para frente será mais: agora a luta é pra construir escola na comunidade, para garantir saneamento básico, garantir direitos básicos para a população que está lá há mais de 3 anos e ainda mora em barraco de lona”.
Publicação reúne informações sobre a cadeia agroindustrial no Brasil e no mundo.
A concentração da produção de alimentos pelas multinacionais tem prejudicado a variedade alimentar dos brasileiros. Foi isso o que apontou a chef e apresentadora Bel Coelho, durante o lançamento do Atlas do Agronegócio, em Curitiba. A publicação, produzida pelas Fundações Heinrich Böll e Rosa Luxemburgo, foi lançada na capital paranaense na noite desta terça-feira (25).
Durante a atividade, que reuniu cerca de 100 pessoas, Bel Coelho analisou os resultados de uma pesquisa que vem desenvolvendo há seis anos. A chef, conhecida por valorizar ingredientes nativos e regionais em suas receitas, viajou por todas as regiões do país e percebeu que muitas pessoas desconhecem ingredientes de biomas brasileiros. “Isso quer dizer que a indústria nos condicionou a comer poucas coisas”, avalia.
Essa constatação está muito próxima das reflexões trazidas no Atlas do Agronegócio. Os 22 capítulos contêm informações para um debate sobre a cadeia agroindustrial no Brasil e no mundo e os aspectos que envolvem a produção mundial de alimentos. Em 58 páginas, a publicação analisa os processos de fusões de transnacionais, a organização de conglomerados, a concentração do mercado de sementes e agrotóxicos e até mesmo de concentração de terras no país. O material já havia sido lançado no Rio de Janeiro, no início do mês.
Segundo o material, cinco corporações dominam o mercado global de produtos agrícolas. O Brasil é campeão mundial na produção de alimentos geneticamente modificados e no consumo de agrotóxicos.
“O Atlas percebe que agronegócio não é tão pop como se tem dito por aí. Esse processo de concentração na produção por parte das corporações distancia o produtor do consumidor, e impede que a gente escolha aquilo que quer comer”, explica Maureen Santos, coordenadora de projetos socioambientais da Fundação Henrich Böll Brasil e coorganizadora do Atlas do Agronegócio.
Agro é pop?
Vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo também ressalta que é preciso olhar com ceticismo para o slogan que circula na televisão destacando que “agro é pop”. “O que é agronegócio? É uma produção em larga escala de produtos agrícolas – que pode ser de alimentos –, mas que tem objetivo central o lucro, não a alimentação das pessoas”, esclarece.
Bel Coelho concorda com a afirmação. “O agronegócio não se preocupa com uma alimentação saudável, porque ele quer uma alta produtividade para exportar, para alimentar boi. Não é para alimentar gente”, avalia. “Isso tudo em detrimento da nossa saúde, da saúde do solo e da saúde do homem do campo, que é o primeiro a se prejudicar com o emprego de agrotóxico”.
A chef lembrou que o Brasil consome 20% do veneno agrícola produzido no mundo. O Paraná está entre os três estados que mais utilizam agrotóxicos no país. “Esse veneno que a Europa não quer mais comprar e é despejado aqui, e a gente aceita. Aceita porque os ruralistas têm muito dinheiro, e podem ajudar no financiamento de campanha ou para benefício próprio”, destaca.
Uma das autoras do Atlas, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Claudia Schmitt também chamou a atenção para as fusões de empresas do agronegócio. Dessa forma, elas não apenas concentram apenas grandes valores financeiros, mas também conhecimento. Segundo a professora, é comum que essas empresas criem mecanismos de propriedade intelectual para que outras pessoas não possam acessar esses conhecimentos ou os produtos da biodiversidade.
No Brasil, tramita no Congresso Nacional um projeto que pretende alterar a atual Lei de Cultivares, para ampliar o controle da indústria sobre as sementes. “Não está muito longe do dia que a gente vai ter que pagar royalties para cultivar uma muda de planta em um vasinho em nossa casa”, alerta Claudia.
Outro modelo possível
Apesar do discurso de que agronegócio é sinônimo de desenvolvimento, experiências mostram que é possível desenvolver outros modelos que aliam desenvolvimento econômico, ambiental e social. É o caso do Acampamento José Lutzenberger, de Antonina, no litoral do Paraná. Há 16 anos, 20 famílias produzem de forma agroecológica através de agrofloresta, um sistema que produz alimentos em sintonia com a recuperação de florestas.
A área, que antes era degradada por causa da criação de búfalos, hoje produz alimento sem veneno ao mesmo tempo em que recupera a Mata Atlântica. Em 2017, o acampamento recebeu o prêmio Juliana Santilli, na categoria ampliação e conservação da agrobiodiversidade. Os alimentos são comercializados e distribuídos para escolas da região por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“Através desse processo a gente conseguiu mostrar que é possível ter um desenvolvimento produtivo que respeite o bioma, que a produção não é conflituosa com áreas de conservação, e contribui na recuperação das áreas degradadas”, conta o agricultor Jonas Souza, coordenador do acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Os moradores da área, no entanto, são ameaçados de despejo por uma determinação judicial. Para impedir que as famílias sejam retiradas do local, um coletivo de entidades organiza a campanha Agrofloresta é nossa casa.
Promover a reforma agrária, segundo Jonas, é permitir o desenvolvimento de produção de alimentos saudáveis e a preservação dos biomas: “A reforma agrária é uma forma de contrapor esse modelo hegemônico do agronegócio”, avalia.
Acesse aqui a versão digital do Atlas do Agronegócio
Ex-ministro de Direitos Humanos do governo Lula e ex-secretário da área em Minas Gerais, Nilmário Miranda considera oportuna a divulgação de documentos do órgão americano de inteligência (CIA) revelando que o ex-general Ernesto Geisel avalizava assassinatos de militantes adversários à ditadura militar. “ Está desmantelada a ideia de que os assassinatos e desaparecimentos na ditadura eram uma ação dos porões e que os generais não sabiam de nada. Torturar, matar e desaparecer eram uma política de Estado”, disse Miranda, coautor do livro “Os Filhos deste Solo” que trata dos desaparecidos políticos no Brasil.
Miranda participou do Bom Dia Lula, em Curitiba, junto com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Tadeu Veneri. No momento em que grupos de extrema direita se sentem à vontade para pregar a volta da ditadura militar, é importante que os fatos venham à tona para desmistificar a narrativa hegemônica e hipócrita produzida pela mídia de que a ditadura do Brasil foi amena e que Geisel produziu a abertura, apontou o ex-ministro.
“Nós tivemos um período de terror do Estado e a abertura do Geisel não visava à democracia. A abertura era um modo de preservar e não terminar com a ditadura. Era o que o general Golbery chamava de teoria da Sístole e Diástole, em que um período de intensa repressão deveria ser seguido por uma fase de descompressão para sustentar o regime, explicou.
Para Miranda, as novas informações ajudam a formar a resistência para deter o processo de destruição do pacto democrático que gerou a Constituição de 1988. Esse pacto começou a ruir com a recusa do senador Aécio Neves (PSDB) em aceitar a vitória de Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014 e evoluiu com o afastamento da presidente e posse do vice Michel Temer, que, progressivamente, está desmontando um a um os pressupostos democráticos estabelecidos na Constituição, apontou Miranda. A reforma trabalhista, a tentativa de desmonte do Sistema Único de Saúde, os ataques à soberania nacional com o esvaziamento do BNDS e a venda do pré-sal, o sucateamento da Educação são etapas da destruição do pacto da democracia citadas pelo ex-ministro. Outro pilar a cair foi a presunção da inocência, destacou.
Com a prisão do ex-presidente Lula, os golpistas deram mais um passo para retirá-lo da corrida presidencial e acabar com mais um princípio da Constituição de 1998, segundo o qual, o poder emana do povo. Mas algo deu errado, disse Miranda.
À medida em que o ex-presidente Lula lidera as pesquisas de intenções de votos à presidência da República, que também apontam que, se ele não estiver na disputa, os eleitores votarão em quem ele indicar levando a eleição para o segundo turno, fica impedido o total desmoronamento do pacto democrático levado a cabo pelos golpistas e apoiadores. Para Miranda, os números mostram a reação silenciosa da população à prisão do ex-presidente. “Sem Lula, o poder não emana do povo. Quem decide é um grupo de juízes e procuradores. Mas as pesquisas mostram que o povo não aceita o golpe. Eleição livre tem que ter Lula”, afirmou.
Texto de Lucas Souza, com supervisão de Franciele Petry Schramm.
O seminário Direito à moradia e população em situação de rua: uma abordagem do Casas Primeiro, realizado no dia 3 de abril, apresentou um programa de locação social para a população da rua, uma política pública mais efetiva e imediata de fornecer moradia para quem precisa.
A proposta foi criada pelo Grupo de Trabalho de Políticas Habitacionais para a População em Situação de Rua - instituído no âmbito do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do MP PR, e que conta com a participação de onze entidades.
O programa de locação social para a população em situação de rua nasceu de uma demanda do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, e sua construção começou em 2015 com a discussão e articulação de diversas entidades que compõem o grupo de trabalho.
O evento aconteceu no prédio histórico da Universidade Federal do Paraná e cerca de 100 pessoas participaram, dentre elas representantes de órgãos do governo, sindicatos e instituições que têm relação com habitação e políticas sociais, membros da sociedade civil e com destaque para as pessoas em situação de rua que também estavam presentes.
O programa apresentado pelo grupo de trabalho parte da premissa de que a moradia é um direito humano básico e que não deve ser negado a ninguém, independente das circunstâncias em que a pessoa se encontra, como desemprego e a dependência severa de álcool.
Tomás Melo, antropólogo e membro do Instituto Nacional de Direitos Humanos para a População em Situação de Rua, apresentou críticas ao atual sistema de programas sociais para a pop rua, onde o acesso à moradia individual e permanente está na última etapa do processo. Os programas hoje em atividade, como as unidades de acolhimento e centros pop perpetuam o estigma sofrido pelas pessoas em situação de rua.
Carlos Umberto, do Movimento Nacional da População em situação de rua apresentou como é a rotina das pessoas que se encontram nessa condição em Curitiba. Para conseguir uma vaga em um abrigo para passar a noite, é necessário encarar algumas horas de fila já nas primeiras horas do dia, e então ir buscar uma refeição na hora do almoço. Procurar um emprego, ou até mesmo manter um, se torna um desafio muito grande, tendo em vista que se gasta boa parte do tempo em filas. A moradia então se torna essencial para a conquista deste e de outros direitos.
De acordo com os membros do GT de moradia para a população de rua este modelo de acolhimento pernoite e assistência social não é eficaz na superação do problema central das pessoas que vivem em situação de rua, pois as mantém num ciclo que as impede de alcançar seus objetivos e superar seus problemas.
Na segunda parte do seminário, o microfone foi aberto para debate, onde perguntas e colocações foram feitas. Maria Sirlei, da Fundação Ação Social (FAS), trouxe aos presentes que o programa no Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua (CIAMP) a FAS e Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB) se reuniram para pensar o vazio jurídico e como firmar um termo de cooperação para avançar na criação de política intersetorial, que aproxima a assistência social da habitação. Esse ponto foi motivo de ruído, e o CIAMP cancelou a segunda reunião que estava marcada para discutir o detalhamento do programa.
A População em situação de rua, através das pessoas presentes no evento, reinterou que é necessário ouvi-los e criar uma política pública a partir de suas necessidades. É preciso que o munícipio se comprometa em dialogar com a sociedade cívil, e principalmente os destinatários da política.
Locação social
A locação social pode ser uma maneira de fornecer o direito básico de moradia para quem precisa. Ela consiste em um programa ou ação do Estado, podendo haver participação do setor privado, para viabilizar o acesso à moradia através de taxas e/ou “aluguel.
O diferencial da locação social é que não há aquisição de propriedade (os imóveis são públicos), e não é um mero auxílio financeiro (bolsa-aluguel). É uma maneira de concretizar de modo mais efetivo e imediato o direito à moradia de acordo com a capacidade contributiva do beneficiário (proporcional à renda).
O programa criado pelo grupo de trabalho em Curitiba é baseado nos princípios da abordagem social “Housing First”, criado pela organização Pathways to Housing First e testado pela primeira vez na cidade de Nova York em 1992.
Foto por: Lucas Pereira de Souza
A assessora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo (CAOP) e arquiteta, Laura Bertol, destacou que o programa trata-se de um serviço público de moradia."É possível contribuir de forma proporcional à renda, porém a manutenção do programa não depende da contrapartida do beneficiário", disse Laura.
O “Housing First”, ou Moradia Primeiro, tem como premissa que às pessoas em situação de rua deve ser fornecida moradia individual imediatamente e sem nenhum pré-requisito. Ter uma casa para morar é considerada a porta de entrada para os demais direitos, como trabalho, alimentação e saúde.
A proposta criada em Curitiba, e que poderia ser aplicada em todo o Brasil, faria a oferta de unidades habitacionais de propriedade do poder público, em troca de uma taxa ou aluguel proporcional ao rendimento do beneficiário.
A respeito do financiamento do programa, Laura apresentou as possíveis fontes, que são os fundos de habitação municipal e estadual, cotas de solidariedade e outorga onerosa do direito de construir - todos instrumentos já existentes na cidade de Curitiba
Podem ser destinadas ao programa, além de novos empreendimentos habitacionais públicos, imóveis já existentes e até mesmo ociosos. Dados do IBGE, de 2010, apontam que 46.895 imóveis estão vagos em Curitiba. Uma pesquisa da Fundação João Pinheiro realizada a partir deste número e divulgada em 2016 também mostra que 58.327 imóveis estão vazios na cidade, se considerarmos também aqueles de uso ocasional.
Os imóveis que serão utilizados para o programa devem seguir alguns critérios, como ser de uso residencial, individualizados (habitação unifamiliar, que não segue o modelo de república) e com toda a infraestrutura necessária de uma moradia digna.
Outros critérios que também devem ser atendidos pelas moradias é a acessibilidade e a localização em áreas centrais, ou com disponibilidade de serviços públicos, com ênfase nos equipamentos de saúde e assistência social.
Em Curitiba, a proposta de um programa de locação social foi criada pelo Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Curitiba, Defensoria Pública do Paraná (Núcleos Especializados – NUFURB e NUCIDH), Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável, InRua, Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná, Terra de Direitos, Pastoral do Povo da Rua, Casa de Acolhida São José.
Experiências de sucesso
Este modelo tem sido usado em diversos países e apresenta resultados positivos. No relatório final dos países europeus sobre o programa, a porcentagem de participantes que permaneceu nas residências após um ano ficou em torno de 75% e 90%.
Economicamente o modelo também se mostrou mais eficiente. Os custos com o programa “Casas Primeiro” em Lisboa, levando em conta a equipe, operações aluguel, eletricidade, água e gerenciamento da propriedade, chegam ao valor de €16,40. Uma pessoa em um abrigo noturno custa €18,60 e em um hostel o valor chega a €37,77.
Comparação dos valores gastos por dia com acomodação para a população em situação de rua em Lisboa:
Também houve uma drástica redução em hospitalização. No ano anterior ao início do programa, 58% dos beneficiados passaram por pelo menos uma internação em clínica psiquiátrica. Após a efetivação do programa 6% passaram por internação, sendo uma economia de €2500,00 por cliente. Outros dados, como o de qualidade de vida e interação com a comunidade também apresentaram aumento.
Luciana Pivato e Givânia Maria da Silva estão entre as oito mulheres homenageadas pela Justiça Global
A Justiça Global promove nesta sexta-feira (23), no Rio de Janeiro, a IV Homenagem Maria do Espírito Santo Silva, como forma de valorizar a atuação de defensoras de direitos humanos no Brasil. Nesta quarta edição, serão homenageadas oito mulheres de diferentes partes do país e com atuação em diferentes áreas. Integrantes da Terra de Direitos, Luciana Pivato e Givânia Maria da Silva receberão a homenagem.
A cerimônica ocorre em um momento emblemático de perseguição e violência contra defensoras de direitos humanos no país. No dia 14 de março, a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), defensora da população negra e de periferia - além de criticar aos abusos da polícia militar - foi assassinada com quatro tiros. Outras defensoras também sofrem constantes ameaças e ataques, como a coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco (MIQCB), vítima de uma tentativa de homicídio no início de março, no Piauí.
Conheça as homenageadas
Advogada popular, Luciana participou do momento de estruturação da Terra de Direitos, em 2002, em Curitiba. Desde então, tem atuado no acompanhado processos de criminalização de movimentos sociais, casos de reitegração de posse e de violações de direitos humanos, além de incidir na pauta de democratização da Justiça. Além de Curitiba, já atuou no escritório da Terra de Direitos em Recife-PE, e atualmente está em Brasília. Integra também a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).
Para a advogada, as mulheres estão na luta na linha de frente nas lutas por direitos humanos, mas são também as mais atingidas pelas dinâmicas de injustiça e autoritarismo. "O machismo predomina nas estruturas de maior poder no sistema de Justiça. Este machismo se manifesta, por exemplo, na menor presença de mulheres em locais de maior poder (ministros, desembargadores, advogados conselheiros das OAB)", fala.
Integrante do Conselho Diretor da Terra de Direitos, Givânia também receberá a homenagem. Quilombola de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, a educadora foi uma das fundadoras da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas do Brasil (CONAQ). Participa de núcleos de pesquisa de Estudos Afro Brasileiros e de Povos e Territórios Tradicionais na Universidade de Brasília.
Givânia também já foi coordenadora geral de regularização dos territórios quilombolas do INCRA e secretária Nacional de Políticas para as comunidades tradicionais do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos e Juventude.
Além de Givânia e Luciana, serão homenageadas Alessandra Makkeda, ativista transfeminista; Gizele Martins, jornalista e comunicadora comunitária; Lia Rocha, socióloga e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Lucia Xavier, militante negra e feminista, coordenadora da organização Criola; Maria Dalva Correia da Silva, moradora do Morro do Borel, mãe de jovem morto pela PM e fundadora da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência; e Victória Grabois, professora e integrante da diretoria do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ.
Sobre a homenagem
A iniciativa recebe o nome de Maria do Espírito Santo Silva como forma de lembrar da história da defensora assissinada em 2011 junto com seu companheiro José Claudio Ribeiro da Silva, em Nova Ipixuna, Pará, por denunciar ações ilegais de madeireiros e carvoeiros na região. A homenagem é realizada desde 2014, de forma anual.
A cerimônia desta edição será realizada neste dia 23, às 18h, no Salão Nobre, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Escola da Vila Nova Esperança em Tomé-Açu (PA), onde atua o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some). Foto: Blog do Riba/http://ribaprasempre.blogspot.com.br
A professora paraense Danielle Figueiredo, de 33 anos, dá aulas para alunos do ensino médio em áreas rurais do Pará por meio de um sistema denominado modular. Nele, as aulas são concentradas em apenas uma disciplina durante 50 dias, em locais de melhor acesso para estudantes que vivem longe dos centros urbanos.
Isso significa que Danielle, professora de sociologia pós-graduada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), passa até 50 dias em cada um dos municípios em que leciona, especialmente no nordeste do estado, já tendo trabalhado nas comunidades rurais de Capitão Poço, Garrafão do Norte, Nova Esperança do Piriá, entre outras.
Desde 2015, a professora da rede estadual de ensino passou a aplicar em sala de aula, por iniciativa própria, "O Valente não é Violento", currículo interdisciplinar disponível na Internet (clique aqui) que tem como objetivo abordar questões de sexualidade e de gênero para combater e prevenir a violência contra mulheres e meninas.
O currículo faz parte de iniciativa de mesmo nome que integra a campanha UNA-SE Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, do secretário-geral das Nações Unidas. A ação é coordenada pela ONU Mulheres, tem o envolvimento de todas as agências da ONU e é financiada pela União Europeia.
"Adoto o tema de gênero e sexualidade desde que iniciei minha carreira de professora, há cinco anos", explicou Danielle em entrevista por telefone ao Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio). "Como sempre usava materiais da ONU e de ONGs, acompanhava (os lançamentos) e vi que tinha saído esse currículo".
Segundo a ONU Mulheres, ao menos 30 professores brasileiros informaram adotar o currículo em diferentes estados brasileiros. O número pode ser muito maior, uma vez que o acesso ao documento, disponível na Internet, é livre.
O currículo aborda temas que vão desde as várias formas de violência contra as mulheres e informações sobre a Lei Maria da Penha, passando pela temática de carreira e profissão, mídia e esportes, até masculinidades e iniciativas que aproximam a educação de meninos e meninas para o tema da igualdade de gênero em seu dia a dia.
O objetivo é possibilitar uma maior compreensão sobre o que leva à desigualdade de gênero e à violência contra mulheres e meninas, bem como buscar uma mudança de cultura e de comportamento que leve à igualdade e ao respeito, segundo a ONU Mulheres.
No começo, Danielle teve dificuldades para abordar o tema em sala de aula nas regiões rurais. "Para estes alunos é tabu discutir essas questões", explicou a professora. "É um mundo mais hostil às mulheres, mas no qual eu aprendi a dialogar com os homens e explicar como eles também podem ser prejudicados por comportamentos machistas".
"Quando colocamos uma outra visão para eles, quando vencem essa posição agressiva, passam a ouvir", explicou a professora, que dá aula para alunos com idade entre 15 e 18 anos.
Danielle contou que mesmo as meninas apresentavam resistência quando a temática era abordada em sala de aula. "Mas, de cinco anos para cá, vejo algumas diferenças. Elas querem estudar, não repetir as histórias (dos pais)", declarou. "Também vejo algumas mudanças no discurso sobre a questão da violência. Elas estão falando mais, não se sentem acuadas".
Para a professora, um diferencial do currículo é o fato de ele incitar discussões em classe, propiciando a interação entre os alunos e com os professores. Segundo ela, o currículo inova na medida em que se diferencia da educação formal, trazendo elementos da educação popular.
"Apresento dados sobre violência, mostro a lei. Eles não conhecem a Lei Maria da Penha. Não sabem em que contexto, por que ela surgiu. Dessa forma, uso dinâmicas para discutir a violência, conto uma história de vida e vou fazendo perguntas. E eles vão respondendo em cima delas. É interessante", declarou.
Danielle Figueiredo, de 33 anos, é professora da rede estadual de ensino do Pará. Foto: Acervo Pessoal
Papel das escolas na prevenção da violência de gênero
Para a ONU Mulheres, as escolas desempenham um papel importante na promoção do respeito nas relações entre meninas e meninos, desafiando estereótipos de gênero e combatendo formas de discriminação que contribuem para a violência contra mulheres e meninas.
Nesse sentido, o currículo "O Valente não é Violento" já está sendo adotado oficialmente por redes de ensino estaduais de Espírito Santo e Bahia, de acordo com Amanda Lemos, coordenadora da iniciativa.
"Temos consultoras e especialistas que nos apoiaram na elaboração do currículo. Há pessoas do Instituto Promundo e a própria ONU Mulheres têm nos apoiado nessa formação técnica para que os professores consigam compreender os conceitos, os conteúdos", explicou.
Segundo Amanda, muitas vezes os professores relatam dificuldades em levar o currículo para a sala de aula, por não terem respaldo da gestão escolar. Há ainda o desafio da qualificação, pois alguns têm interesse em adotá-lo, mas não têm a qualificação necessária.
"Falta a institucionalização do tema. (…) A questão institucional é importante para que todos participem dessa proposta de ensino voltada para o respeito entre meninos e meninas e professores e alunos, para que eles envolvam não só a escola, mas a comunidade e todos os agentes em torno de uma escola responsável pela segurança dessas meninas", declarou.
Marcelo Conceição, de 39 anos, é professor de Geografia e coordenador pedagógico de uma escola municipal do ensino fundamental localizada no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Em 2016, teve a ideia de fazer um trabalho envolvendo todos os alunos que tinha como tema central a mulher e as questões de gênero.
A temática foi, então, desmembrada entre as disciplinas, tendo como inspiração o currículo "O Valente não é Violento", das Nações Unidas.
Com a ajuda de professores de Geografia e História, os alunos montaram murais com gráficos apresentando as diferenças salariais entre homens e mulheres. Em Ciências, trabalharam questões de sororidade (apoio entre as mulheres) e as diferentes formas de machismo na sociedade.
Houve ainda roda de conversas, sessões de cinema e campanhas como "Meu nome não é psiu", questionando o tratamento recebido por meninas e mulheres nas ruas. Algumas dessas atividades foram retomadas em 2017, de acordo com o professor.
"Fiquei com medo, por exemplo, de levar os alunos para ver o filme 'Estrelas além do tempo', porque me diziam que eles não iam prestar atenção", disse Conceição. "Mas eles adoraram, voltaram discutindo o filme, e entenderam por que tinham ido". A obra trata do trabalho de uma equipe de cientistas da NASA, formada exclusivamente por mulheres afro-americanas.
O professor disse já ter notado uma mudança de comportamento de meninos e meninas. "Elas passaram a não aceitar mais determinados tipos de tratamento, como serem seguradas de determinada maneira pelos garotos, serem chamadas por determinados nomes", explicou.
"A educação não é só um caminho para o mercado de trabalho, mas para liberdade, para o entendimento de si mesmo, da própria história, para não reproduzir determinados erros das gerações anteriores. Nos esforçamos ao máximo para fazer isso", concluiu o professor.
Marcelo Conceição, de 39 anos, é professor de Geografia e coordenador pedagógico de uma escola municipal do ensino fundamental localizada no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Acervo Pessoal
ONU Mulheres
Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres