Por Aldem Bourscheit*
Manobras diversionistas são presença certa em qualquer conflito que se preze, seja bélico ou político. São aquelas artimanhas usadas para prejudicar o avanço sobre territórios, embaralhar a comunicação ou enfraquecer pontos de vista dos adversários de ocasião.
Exemplo dessa prática tomou carona em artigos que misturam alhos com bugalhos para indiscriminadamente taxar produtores rurais de campeões da conservação da natureza. Enquanto isso, outras questões podem acabar debaixo do tapete.
Os textos replicados ad nauseam por veículos pareados com o agronegócio são lavrados especialmente por empresários que dependem da ocupação extensiva de terras, por ex membro do Governo do Estado de São Paulo e, ainda, por pesquisador e dirigente da Embrapa – empresa pública que destina parte de seus recursos para dar verniz científico ao ideário político ruralista.
A tônica de tais artigos vem da simples soma das áreas de vegetação nativa declaradas ao sistema de cadastro ambiental rural por proprietários e posseiros de terras.
Todavia, apesar de superior ao abrigado em parques e outros tipos de Unidades de Conservação da natureza em todo o Brasil, essa quantidade de verde não está eletronicamente validada, não tem fundamentação científica e não está distribuída de forma equilibrada no território nacional.
Basta comparar a ainda intensa cobertura vegetal do Norte do país com a de regiões que garantiam o abastecimento público de água no Sudeste. Os sistemas Cantareira, dos rios Paraíba do Sul e Guandu estão praticamente carecas.
Apesar das falhas técnicas e duras realidades de campo, a tal taça da conservação segue sendo erguida despudoradamente.
Sim, os produtores rurais têm papel fundamental no equilíbrio das conta$ nacionais e na manutenção da vegetação nativa, mas a conquista desse campeonato tem sido alardeada após a aprovação a fórceps de uma legislação que passou uma borracha em quase meio bilhão de Reais em multas por desmatamento ilegal e na recuperação de 40 milhões de hectares de vegetação nativa.
O cenário fica mais interessante quando se joga luz sobre a atuação dos auto proclamados representantes do agronegócio em nossos parlamentos.
Contas recentes mostram que seis em cada dez deputados federais jogam contra o meio ambiente, trabalhadores rurais e indígenas. Coincidência, praticamente todos são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária e receberam doações de desmatadores e de outros setores modernospara suas campanhas.
Enquanto isso, a violência no campo só faz crescer, este Brasil varonil tolera limites de agrotóxicos na água milhares de vezes superiores aos aceitos nas torneiras europeias, populações tradicionais são obliteradas e o desmatamento toma fôlego em todas as regiões.
Fatos esses que podem manchar o currículo dos campeões da conservação e do agronegócio nacional.
Sociedades civil e científica não deixam de alertar sobre os efeitos colaterais nefastos da derrocada contínua da legislação florestal, mas quem segura as batutas legislativa e judiciária segue de ouvidos moucos.
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento de ações de inconstitucionalidade contra retrocessos impostos à legislação florestal. Vejamos se a Corte ajudará o Brasil a desenhar um futuro melhor, corrigindo erros do passado recente.
*Aldem Bourscheit é jornalista, ambientalista e consultor da Fundação SOS Mata Atlântica. Saiba como apoiar as ações da SOS Mata Atlântica em www.sosma.org.br/apoie.
Via SOS Mata Atlântica
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