1/13/2018

Artigo de opinião: Índices de sustentabilidade e cadeia de valor



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Por Pedro Amaral* e Tiago Reis**

Como evidenciar investimentos seguros e promover mudanças positivas na base de fornecimento de commodities no Brasil

Há interesse crescente por parte de investidores em empresas ditas mais sustentáveis. Nos últimos 20 anos, foram criados índices de sustentabilidade em bolsas de valores, destacando empresas que mais bem gerenciam os riscos e aproveitam as oportunidades em um ambiente de negócios pautado cada vez mais pelo desenvolvimento econômico, social e ambiental. Entende-se que o investimento nessas empresas seja mais seguro e apresente expectativa de crescimento confiável e acima da média no longo prazo.

Inicialmente, esses índices se centraram nas práticas imediatas da empresa, ou seja, em suas próprias operações. Com o tempo, cresceu a inserção de questões e indicadores relacionados à cadeia de valor, entendendo que há impactos e riscos socioambientais externos às operações das empresas (como na cadeia de suprimentos), que podem imputar danos reputacionais, competitivos, regulatórios e, em última instância, financeiros às empresas (e aos investidores).

Ao elucidar essas questões, além de selecionar empresas menos expostas a tais danos, os índices podem também ser catalisadores de mudanças positivas em um número grande de empresas, que compõe a base de fornecimento das empresas listadas. Quanto mais específicas as questões e os indicadores empregados, mais bem os índices capturam esses riscos.

Há uma série de iniciativas, no Brasil e em outros países, que analisam empresas quanto à sua governança em sustentabilidade. As que se destacam compõem índices especiais, e são percebidas como membro de um grupo seleto. Um exemplo, no Brasil, é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado pela bolsa brasileira há mais de 10 anos. O ISE é uma ferramenta para análise comparativa da performance das empresas listadas na B3 sob o aspecto da sustentabilidade corporativa (…).

As empresas no ISE são selecionadas considerando a pontuação em um questionário – desenvolvido pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV Eaesp (GVces) – que inclui, por exemplo, questões sobre os seus compromissos com o desenvolvimento sustentável e sobre os impactos dos produtos e serviços que oferecem.

Como as respostas das empresas são autodeclaradas, não há garantia que de fato implementem todas as políticas e práticas descritas, mas gera-se um compromisso público, aumentando o risco reputacional para uma empresa que falte com a verdade. O ISE veio se somar a índices como o Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI), da Bolsa de Nova York, e FTSE4Good, da Bolsa de Londres.

Os índices também podem influenciar positivamente a governança das empresas na medida em que essas buscam atingir boas pontuações nos questionários. Em princípio, a alta pontuação reflete o comprometimento com práticas que reduzem os impactos ambientais e sociais da empresa. No entanto, a sustentabilidade corporativa tem sido cada vez mais abrangente.

Não basta mais que as empresas garantam que suas operações estejam em conformidade com a lei, utilizem tecnologias menos impactantes e respeitem os direitos dos seus funcionários, se a matéria-prima que utilizam foi produzida com mão de obra em situação análoga à escrava, ou em uma região ilegalmente desmatada.

Em setores diversos e, notadamente, no agropecuário nacional, convivem atividades altamente sofisticadas (e que atendem a rigorosos critérios sociais e ambientais), com atividades arcaicas que desrespeitam trabalhadores, comunidades tradicionais e o meio ambiente.

Riscos reputacionais, regulatórios e comerciais

Em face disso, há um esforço cada vez maior, realizado pela sociedade civil organizada, de explicitar a conexão entre grandes empresas, a origem de sua matéria-prima e problemas socioambientais. Há uma série de ONGs que trabalham nesse sentido, por meio de campanhas que têm por alvo determinadas empresas e commodities. Além de conscientizar os consumidores, buscam fomentar ações das empresas compradoras, para que se corresponsabilizem pela cadeia de fornecimento, ao passo que essas buscam proteger a sua reputação. Publicações como Supply ChangeForest 500, ou organizações como o WWFRainforest Action Network e Greenpeace têm tido papel relevante nesse sentido.

No Brasil, o Ministério Público Federal e o Ibama já utilizam o arcabouço legal para multar ou embargar empresas que compram ou financiam a produção agropecuária de forma irregular. Empresas e bancos possuem responsabilidade sobre o que compram e financiam e são punidos caso flagrados fomentando atividades ilegais.

Há uma profusão de compromissos relacionados à compra de commodities agropecuárias, assumidos por empresas multinacionais. Esses compromissos são calcados no fim do desmatamento e no cumprimento das leis pelos fornecedores, além do respeito aos direitos humanos.

Um exemplo é o Fórum de Bens de Consumo (Consumer Goods Forum), rede global que reúne algumas das maiores empresas de bens de consumo do mundo, com vendas agregadas maiores do que €2,5 trilhões. O grupo assumiu o compromisso de desmatamento líquido zero até 2020 e recomenda aos seus integrantes, por exemplo, que não comprem soja produzida em terras ilegalmente desmatadas ou onde a produção não esteja de acordo com o Código Florestal. Outros exemplos incluem a New York Declaration on Forests e a Tropical Forest Alliance 2020.

Gerenciando riscos na cadeia de suprimentos

Existem diversos instrumentos privados de certificação e controle das cadeias produtivas, mas que envolvem custos elevados e atendem somente a nichos de mercado. Por isso, é importante destacar instrumentos públicos que permitem o monitoramento de cadeias muito complexas e difusas, como a da soja ou da pecuária. No Brasil, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) criou um instrumento chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro obrigatório a todos os imóveis rurais, onde o produtor ou a produtora declara os limites de seu imóvel, incluindo e diferenciando as áreas de preservação e de produção.

O Sistema Nacional de CAR (Sicar) já conta com quase quatro milhões de imóveis rurais cadastrados e todos esses cadastros estão disponíveis na internet. A empresa, ao comprar, ou o banco, ao financiar a produção agropecuária pode e deve exigir de seu fornecedor ou cliente o número do registro no CAR. Com esse número, será possível verificar a situação do cadastro e a propriedade cumpre com o Código Florestal e se houve desmatamento ilegal – o sistema indicará se o cadastro está Ativo, Pendente ou Cancelado.

Existem outras ferramentas e referências (oficiais e não oficiais) disponíveis às empresas, como a Lista Suja do Trabalho Escravo, o Prodes, o Agroideal, o Mapbiomas ou o Global Forest Watch, que podem ajudar as empresas a analisar e garantir a legalidade e o cumprimento de políticas de compra em suas cadeias de suprimentos.

Há potencialmente uma grande parcela da produção nacional de commodities agropecuárias e florestais ocorrendo em imóveis que não atendem de maneira plena ao Código Florestal. Diversas empresas já têm assumido compromissos públicos com relação à legalidade das commodities que compram, operacionalizando-os por meio de requisitos no processo de compra e da verificação do seu cumprimento.

Riscos para investidores

Sob o ponto de vista do investidor, ficam mais evidentes os riscos atrelados ao ambiente externo às operações das empresas. Riscos regulatórios, reputacionais ou financeiros estão cada vez mais explícitos. Empresas no Brasil capazes de demonstrar uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento e em cumprimento com a lei estarão mais bem posicionadas para atender às demandas de compradores internacionais.

Algumas das iniciativas existentes para evidenciar empresas mais sustentáveis já contemplam perguntas sobre riscos socioambientais na cadeia de suprimentos. O DJSI, por exemplo, inclui em seu questionário as seguintes perguntas:

  • Você possui um processo formalizado para identificar os riscos de sustentabilidade na cadeia de suprimentos?
  • Indique o alcance da análise de identificação de risco de sustentabilidade, ou seja, a proporção do número total de fornecedores diretos cobertos pela análise de risco (%)

Além de questões relacionadas ao risco, o questionário deste índice também atribui pontos às ações que promovam a colaboração das empresas compradoras com os fornecedores. Essas iniciativas normalmente objetivam reduzir riscos, garantir o abastecimento e promover impactos positivos junto à cadeia por meio da criação de valor compartilhado.

Outra iniciativa é o CDP que, em nome de investidores com mais de US$ 20 trilhões em ativos, analisa como as empresas estão gerenciando riscos associados à sustentabilidade. O questionário do CDP inclui perguntas sobre a implementação de compromissos de desmatamento zero e sobre a gestão do risco do não cumprimento do Código Florestal por fornecedores. Todas as empresas que respondem ao CDP e compram determinadas commodities agrícolas e florestais do Brasil serão questionadas sobre essas questões.

Como os índices podem contribuir

Ao incluir perguntas bastante específicas sobre como as empresas gerenciam riscos socioambientais nas suas cadeias de suprimentos, sejam esses do não cumprimento do Código Florestal, da conversão de vegetação nativa ou da violação de direitos humanos, os índices trazem à tona questões que poderiam passar desapercebidas pelas empresas. Nesse sentido, os índices podem:

  • Capturar de forma mais efetiva os riscos socioambientais de uma carteira de empresas, explicitando riscos ora negligenciados e trazendo mais segurança aos investidores;
  • Serem catalisadores para que as grandes empresas compradoras de commodities fomentem as boas práticas junto aos fornecedores, de forma a implementar o Código Florestal, atingir compromissos de desmatamento zero e garantir o respeito aos direitos humanos.

A correlação entre investimento seguro e empresas sustentáveis é cada vez mais evidente. Está na hora de ficar mais explícito que a sustentabilidade depende de assumir responsabilidade pelo que ocorre na cadeia de suprimento, gerenciando riscos e promovendo impactos positivos.

*Pedro Amaral – gerente sênior de projetos no Proforest, mestre em Planejamento Energético/ Ambiental pela Coppe-UFRJ, Engenheiro Agrônomo formado na Unesp, trabalha há mais de 10 anos com sustentabilidade corporativa junto a multinacionais de setores diversos e organizações multilaterais.

**Tiago Reis – pesquisador e gerente de projetos no IPAM, mestre em Política Ambiental pela Univerisity College Dublin, Internacionalista formado na PUC-Rio, desenvolve pesquisas relacionadas à política ambiental, instrumentos econômicos para conservação e políticas de uso do solo.

O artigo foi publicado originalmente na Página 22.

Via IPAM

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