Por assessoria de comunicação Terra de Direitos com informações de Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos
No último sábado (6) dezenas de famílias do Quilombo Paiol de Telha, localizado em Reserva do Iguaçu, região Centro Sul do Paraná, se reuniram para debater e encaminhar ações frente à extrema morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na titulação do território da comunidade.
Durante o encontro, integrantes da comunidade discutiram formas de enfrentamento às ameaças que, em âmbito nacional, atacam direitos quilombolas conquistados através de muitas lutas ao longo de séculos. Segundo a avaliação dos quilombolas, a urgência em agir frente ao cenário de desmonte da política pública de titulação dos territórios quilombolas se acentua com o atual contexto político do país, pós golpe de 2016.
A luta do quilombo Paiol de Telha pelo reconhecimento de seu território é emblemática inclusive no âmbito do Sistema de Justiça. Em 2013 a comunidade objete decisão judicial favorável ao reconhecimento da constitucionalidade do Decreto Federal 4887/03, jurisprudência essa determinante para que a comunidade e muitas outras em todo Brasil conquistem a titulação de seus territórios.
A titulação do Fundão
O processo administrativo de titulação do território da comunidade Paiol de Telha foi aberto junto ao Incra em 2005, mas os estudos e decisões administrativas que reconheceram o território da comunidade só foram finalizados em outubro de 2014, quando o Instituto assinou a portaria de reconhecimento do território da comunidade.
Porém, para que a comunidade conquiste a titulação de suas terras é necessário que o Incra desaproprie as pessoas que têm títulos de propriedade válidos dentro do território tradicional, medida que não foi tomada até o momento.
Em maio de 2015, diante da inércia do Incra, a comunidade do Paiol de Telha ocupou parte de seu território tradicional, fato que contribuiu para a então presidenta da República, Dilma Rousseff, assinasse, em 22 de junho, o decreto de desapropriação em favor da comunidade. Ainda assim, até o momento o Instituto não concluiu as desapropriações para enfim titular o território da comunidade.
Contrariamente ao que determina a legislação, que estabelece que o Incra deve ajuizar prontamente as ações de desapropriação, o órgão tem buscado construir acordos com a Cooperativa Agrária, para que a desapropriação decorra de consenso, e não de desapropriação judicial.
Apesar disso, o acordo se estende excessivamente e quem sofre com a espera é a comunidade quilombola, que não tem seu direito efetivado e, com isso, dificuldade de acesso a uma série de outros direitos.
Segundo informações do Incra, existiria uma hipoteca em uma das áreas que devem ser desapropriadas, o que estaria atrasando a concretização do acordo. A Cooperativa Agrária, cooperativa de colonos europeus que produz commodities para exportação, atual proprietária das terras, deve retirar a hipoteca para que o acordo pudesse ser realizado. Desta forma, a comunidade está à mercê da vontade de quem lhe tomou as terras no passado para que tenha de volta seu território titulado.
E esse ainda não é o único desafio da comunidade. O território do Fundão, como é chamado pelos integrantes da comunidade, é composto por 17 propriedades diferentes e o acordo do Incra com a cooperativa abrange apenas duas dessas áreas. Assim, a morosidade na titulação dessas duas áreas evidencia o quanto a comunidade do Paiol ainda tem que lutar para conquistar a titulação completa de seu território. Diante deste cenário, não há sequer uma previsão de quando o território do Paiol de Telha será totalmente titulado.
A política nacional de titulação de territórios quilombolas
Quilombolas do Paiol de Telha debateram ainda a necessidade de enfrentar o atual cenário de quase total paralização do Incra nas titulações de territórios em todo o Brasil. Neste ano, o orçamento nacional para realização das atividades relativas ao seguimento dos processos administrativos de titulação é de pouco mais de 500 mil reais e estariam disponíveis para a desapropriação de terras pouco mais de 3 milhões de reais.
Esse orçamento é absolutamente insuficiente para os fins a que se destina, e demonstra uma baixa significativa na destinação de recursos para tais finalidade. O Governo Federal, por pressão de ruralistas, busca asfixiar a política de titulação através do orçamento, como já se analisava desde o último ano.
Ainda, o Instituto sofre com a falta de servidores para a realização da política de titulação, assim como com a criminalização de suas ações através do indiciamento de servidores na CPI do Incra e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O ataque dos ruralistas ao Incra através da CPI é uma ação que busca intimidar servidores públicos na realização da sua atividade, criminalizando condutas lícitas de funcionários públicos federais que estão efetivamente trabalhando e cumprindo suas funções institucionais. O crime destes servidores e servidoras é fazer seu trabalho, dando andamento aos processos de titulação, situação que afeta diretamente os interesses dos ruralistas que terão suas terras desapropriadas.
Além de todos esses desafios, a Casa Civil da Presidência da República divulgou posição política em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e busca impugnar o Decreto Federal 4887/03, que determina a atuação do Estado nas titulações de territórios quilombolas.
A nota emitida pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência afirma que o Governo Federal “deve agir com cautela no desenvolver da questão”. Ou seja, a Casa Civil não emitiu decisão jurídico-administrativa determinando a completa paralisação dos processos de titulação, mas declara que por “certa característica de ato discricionário” dos processos de titulação, o Governo Federal poderia avaliar a velocidade com que os processos tramitam e também rever atos que já foram realizados. Isto é, assumem a possibilidade de rever processos em curso e já finalizados.
Racismo institucional
A posição do Governo Federal pode ser entendida como latente expressão do racismo que permeia a história da sociedade brasileira. Enquanto o Governo Federal diz ser necessário adotar cautela na questão da titulação das terras do povo negro, por ser uma questão judicializada no STF, em outros temas de interesse do Executivo, como no caso das terceirizações de ralações de trabalho, o presidente da República atua rapidamente para sancionar a lei, ainda que o tema dependa de julgamento Supremo.
Diante deste cenário, quilombolas do Paiol de Telha decidiram se mobilizar a agir contra os ataques às comunidades quilombolas e pela aceleração do processo de titulação do Fundão. Para isso, a comunidade busca construir unidade para ter forças e reagir aos ataques.
Segundo a atual presidenta da associação da comunidade Paiol de Telha, Mariluz Marques, “agora é um momento crucial para as comunidades se unirem e lutarem por seus direitos. Não vamos aceitar que o Governo Federal impeça as comunidades quilombolas de terem acesso a seus territórios. O povo negro quilombola não desistirá da luta e honrará a memória e a luta de seus antepassados”, declarou.
O advogado popular da Terra de Direitos, Fernando Prioste, acrescenta que “medidas jurídicas, em âmbito nacional e internacional, serão tomadas para impedir que o racismo institucional volte a orientar as políticas públicas que deveriam beneficiar quilombolas de todo o Brasil”, destaca Prioste.
Para o advogado, “as ações jurídicas compõem parte da estratégia de luta política do movimento social quilombola, e somam-se às mobilizações das várias comunidades quilombolas, organizações negras locais, estaduais e nacionais que a exemplo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) estão organizadas e em luta”, declarou.
Via Terra de Direitos
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