Por Marcia Hirota, Camila Keiko Takahashi, Diego Igawa Martinez e Leandra Gonçalves*
Originalmente publicado no Blog do Planeta.
O Brasil sempre foi um país de costas para o mar. Não são poucos os fatos que ilustram essa triste afirmação. Embora a costa brasileira tenha mais de 10 mil km de linha de costa, e o país tenha soberania sobre cerca de 3,5 milhões de km2 de zona econômica exclusiva, nossos recursos marinhos nunca receberam a merecida atenção.
Hoje contamos com apenas 1,5% de áreas marinhas protegidas por Unidades de Conservação, que são territórios legalmente definidos para fins de proteção da biodiversidade e fundamentais para sua recuperação.
Sem dados sobre o que temos embaixo da água, e sem espaços protegidos para que a vida marinha se recupere, o mar brasileiro continua à deriva. Nos últimos 10 anos, Estados Unidos, Reino Unido, México, Austrália e Chile, entre outros países, criaram grandes áreas marinhas protegidas e demostraram globalmente seus compromissos com os oceanos.
A hora do mar é agora. E o Brasil tem a oportunidade de se juntar a esse seleto grupo de países e criar Unidades de Conservação com grande extensão para proteger duas grandes parcelas marítimas relevantes para biodiversidade marinha – a Cadeia de Vitória-Trindade e o Arquipélago de São Pedro e São Paulo.
A Cadeia Vitória-Trindade é reconhecida como área de alta prioridade para a conservação, inclusive internacionalmente. Estudos conduzidos por respeitados cientistas e instituições demonstraram atributos que justificam a necessidade de proteção, como a grande diversidade recifal, ocorrência de várias espécies ameaçadas de extinção, elevado endemismo, a função da cadeia como uma conexão entre ambientes costeiros e oceânicos e a formação geológica singular. Toda a região apresenta grande potencial biotecnológico e muitas descobertas continuam sendo feitas em cada expedição científica realizada.
O Arquipélago de São Pedro e São Paulo, por sua vez, é uma formação única no mundo, seja pela sua gênese e geologia peculiar, pelo título de arquipélago tropical mais isolado do planeta ou pela grande biodiversidade que abriga em relação a seu pequeno tamanho. Apesar do pequeno território emerso, é um importante sítio para aves marinhas, possui uma grande diversidade recifal com números que aumentam constantemente com novas descobertas e é local de repouso, alimentação e reprodução de espécies marinhas migratórias e ameaçadas de extinção. Além disso, garante ao Brasil um território marinho de cerca de 430 mil km², uma porção bastante significativa de sua Zona Econômica Exclusiva.
As propostas estão na mesa e abertas para opinião pública. O desenho inicial prevê a criação de grandes Áreas de Proteção Ambiental (APA), que dentre as categorias de Unidades de Conservação permitem o uso direto dos recursos naturais, como pesca e outras atividades extrativas. Esforço louvável, mas que só garantirá benefícios para a biodiversidade se essas grandes APAs forem criadas juntamente com áreas que sejam decretadas sob o regime de proteção integral nas regiões mais sensíveis, que possam garantir espaço e tempo necessários para a natureza se recuperar.
Um grupo de organizações não governamentais, liderados pela Rede Pró Unidades de Conservação, está mobilizado em apoio à criação dessas Unidades de Conservação de proteção integral. Todos aqueles que almejam a proteção do mar brasileiro devem assinar e compartilhar a campanhapedindo que o presidente Michel Temer e os Ministérios competentes possam dar a devida importância à questão.
É fundamental que a iniciativa seja acompanhada de uma minuta de decreto robusta, que inclua um prazo factível para a aprovação dos planos de manejo dessas Unidades de Conservação, que são os documentos básicos para a gestão dessas áreas. Importante também que esse plano traga regulamentações e, quando necessário, restrições para atividades de uso extrativo, como a pesca e a mineração.
Ainda é tempo do Brasil virar de frente para o mar e, com esse nobre ato, trazer visibilidade para o território marinho nacional e reconhecimento para a mobilização de cidadãos que há décadas defendem a necessidade de proteção dessas regiões. Essa importante ação também consolida a parceria entre a defesa nacional e a proteção do meio ambiente, contribuindo para a manutenção da soberania nacional nos extremos da Amazônia Azul.
*Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica. Camila Keiko Takahashi, Diego Igawa Martinez e Leandra Gonçalves são biólogos da área de Mar da Fundação. A SOS Mata Atlântica é uma ONG brasileira que atua há mais de 30 anos na defesa da floresta mais ameaçada do Brasil. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.
SOS Mata Atlântica
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