por Leonardo Boff
Ler FREI BETTO seja como analista social, escritor e homem espiritual é sempre um aprendizado. Publico este pequeno texto porque me identifico com ele. É bem isso que desejo a tantos que me seguem, ora com críticas severas,ora com benevolência. Não importa. O importante é que estejamos vivos e exerçamos a liberdade com a responsabilidade que cada um sente que pode exercer. A todos, homens e mulheres, desejo que sejam neste ano de 2018 um pouco mais humano e sensíveis aos outros que conosco compartem o pequeno tempo que o Supremo nos deu neste também pequeno Planeta: Leonardo Boff.
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Estamos à porta de 2018. E o que fizemos de nós mesmos em 2017?
Há em nós abissal distância entre o que somos e queremos ser. Um apetite de Absoluto e a consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância que resta na memória com sabor de paraíso perdido; a adolescência tecida em sonhos e utopias; os propósitos altruístas.
Hoje, o salário apertado num país tão caro; os filhos, sem projeto, apegados à casa e ao consumismo; os apetrechos eletrônicos que perenizam a criança que ainda resta em nós.
Em volta, a violência da paisagem urbana e nossa dificuldade de conectar efeitos e causas. Como se os infratores fossem cogumelos espontâneos, e não frutos do darwinismo econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada. O mesmo executivo que teme assalto e brada contra bandidos, abastece o crime consumindo drogas.
Ano novo. Vida nova? Depende. Podemos continuar a nos empanturrar de carnes e doces, encharcados em bebidas alcoólicas, como se a alegria saísse do forno e a felicidade viesse engarrafada. Ou a opção de um momento de silêncio, um gesto litúrgico, uma oração, a efusão de espíritos em abraços afetuosos.
No fundo da garganta, um travo. Vontade de remar contra a corrente e, enquanto tantos celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e resgatar boas coisas: uma oração em família, a leitura espiritual, a solidão orante, o gesto solidário que ameniza a dor de um enfermo.
Reencontrar, no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que, na arena competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se temos que parar no sinal vermelho? Por que tanta dependência do celular e dificuldade de dialogar olho no olho?
Ano novo de eleições. Olhemos o país. As obras que beneficiam empreiteiras trazem proveito à maioria da população? Melhoram o transporte público, o serviço de saúde, a rede educacional? Nosso bairro tem um bom sistema sanitário, as ruas são limpas, existem áreas de lazer? Participamos do debate sobre a reforma da Previdência? Os políticos em quem votamos tiveram desempenho satisfatório? Prestaram contas do mandato?
Em política, tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na verdadeira democracia, governa o povo por meio de seus representantes e de mobilizações diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais democracia.
Ano de nova qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Aceitar a proposta de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em si, abrir espaço à presença do Inefável. Braços e corações abertos também ao semelhante. Recriar-se e apropriar-se da realidade circundante, livre da pasteurização que nos massifica na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se a vida fosse uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade desfilar nos ilusórios devaneios de uma telenovela.
Feliz homem novo. Feliz mulher nova.
_Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais
Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/2017/12/30/frei-betto-ano-novo-vida-nova/
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