9/28/2018

Opinião | O “antipetismo” não serve de desculpa para o seu voto

Fernando Haddad em caminhada no Recife, quando arrastou milhares de pessoas às ruas da cidade. / Ricardo Stuckert
Se uma expressão viralizou durante este processo eleitoral, essa expressão foi a "antipetismo". De regra, ela é empregada para definir a rejeição existente ao Partido dos Trabalhadores (PT). Para alguns, essa rejeição seria resultado das ações do próprio PT, que teria, com suas políticas de inclusão através do consumo, por exemplo, "gerado o ovo da serpente" do conservadorismo - uma síntese analítica disseminada por intelectuais da envergadura de Vladmir Saflate, professor da USP. Entretanto, os dados apresentados pela última pesquisa do Datafolha, de 20 de setembro, apontam para um outro caminho interpretativo. 

É que de acordo com essa pesquisa, Fernando Haddad, do PT, ocupa o terceiro lugar entre as maiores rejeições eleitorais, com 29%, atrás de Bolso (43%) e de Marina (32%). Mas a rejeição a Haddad não se encontra decisivamente entre os setores mais precarizados da classe trabalhadora. Entre as pessoas cuja renda familiar mensal é de até 2 salários mínimos, a rejeição de Haddad é de apenas 20%, bem atrás de Bolsonaro, que soma 48%. Quando a renda familiar aumenta para até 5 salários mínimos, a rejeição a Haddad cresce para 34% e a de Bolso cai para 40%. Agora, quando a renda familiar mensal é de mais 10 salários mínimos, a rejeição a Haddad se torna estratosférica: vai a 54%. Enquanto isso, a rejeição a Bolsonaro fica por volta dos 34%.  

O "antipetismo", portanto, é uma política de classe. Uma tomada de posição política de classe - com alguma facilidade, perceberíamos que se trata igualmente de uma "política de raça". A alta classe média e as elites brasileiras convergem para o antipetismo, sobretudo em regiões do país como a Sudeste e a Centro-Oeste. Elas odeiam o PT. As razões para esse ódio, parece-me, podem até ter a ver com a "inclusão pelo consumo", com aquela raiva constrangida por ter de compartilhar o voo com alguém que mal sabe localizar o seu assento no avião porque, claro, até então nunca havia viajado assim. Mas ela tem a ver especialmente com a expansão dos direitos, com as cotas que "tiram as nossas vagas", como ouvi tantas vezes em sala de aula, com medidas como a PEC das Domésticas - lembram das reações raivosas a esse projeto de mera igualação de direitos? - ou com políticas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos. 

O antipetismo, portanto, resulta principalmente - embora não somente, de certo - daquilo com que nós, das esquerdas, concordamos nos governos do PT. O antipetismo resulta de um incômodo de classe gigante com a necessidade de compartilhar uma sala de aula com o filho negro da empregada doméstica da cidade do interior da Paraíba. "Cheiro de pobre" - ouvi, certa vez, de uma estudante ao se referir ao que ela identificava como sendo um mau cheiro na sala de aula. Isso é antipetismo. Nossas críticas ao PT são de outras ordem. 

Sendo assim, se você está votando num candidato que não é Fernando Haddad por causa da existência desse "antipetismo", eu sinto muito: sua posição está ratificando uma posição de classe perversa. Isto porque os setores mais precarizados da classe trabalhadora, com quem é preciso estar, não são antipetistas. Se sua família o é, se sua vizinhança o é, se sua timeline no Facebook o é, elas não reproduzem o sentimento e a posição política de parte significativa da população brasileira, aquela evidentemente beneficiada daquela inclusão pelo consumo e da expansão de direitos, como à educação, por exemplo. 

É por isso que a decisão do PT de manter sua candidatura à presidência não foi "irresponsável" diante do forte antipetismo, como alguns têm argumentado, notadamente eleitores de Ciro Gomes. Irresponsável seria ceder a uma rejeição que interessa às elites e não possui lastro na classe trabalhadora (ou entre a maior parte das pessoas negras). Irresponsável seria não protagonizar uma disputa que está sendo travada em nome do que os governos do PT conquistaram em direitos e do que eles possibilitaram em visibilidade para pautas políticas como as feministas e as LGBT. Irresponsável seria não entrar numa batalha que nós podemos ganhar, sabendo que de nossa vitória depende a vida de muita gente, muita gente, muita gente.

*Roberto Efrem Filho é professor da UFPB,  militante da Consulta Popular e integra o Setor de Direitos Humanos do MST em Pernambuco.

Edição: Catarina de Angola

Fonte: Jornal Brasil de Fato

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